sexta-feira, 4 de novembro de 2011

ASSUAN

Aportados em Assuan, logo fomos levados pelo incansável Saladino a   correr a região de carro e visitar a antiga barragem Assuan I , idealizada pelas ingleses no inicio do século XX e cuja primeira etapa foi finalizada em 1912. A via que leva de uma a outra ponta da barragem tem cerca de 2 km. Paramos sobre a ponte, para apreciar a obra e a natureza, ou o que restou dela.

Esse trecho termina numa área militar, muito bem guardada por policiais fortemente armandos, e há barreiras para revista dos carros e pessoas. Sabe-se da importância e necessidade destes cuidados, na preservação de uma obra estratégica, como aquela.


6 kms rio acima foi construída a segunda represa, tendo formado o famoso lago que levou o nome do então Mandatário do Egito Gamal Abdel Nasser. O Lago Nasser, com 500 km de extensão encontra-se parte no Egito e parte no Sudão e controla a vazão do Rio. A sua construção e a consequente mudança do fluxo das águas, alterou a milenar regularidade da fertilização das terras que corta, forçando os ribeirinhos rio-abaixo a usar fertilizantes químicos. Considerando-se que o povo Egipcio sobrevive em razão das benesses do seu único e famoso curso d´agua, penso que eles correm sérios riscos de perda, ao menos parcial, desta importante fonte de riquezas.
Depois de visitarmos essa grande construção do século XX, seguimos para um ancoradouro


 e embarcamos rumo ao Templo dedicado a Isis , na Ilha Filae.



Vale ressaltar que com a inundação provocada pelo enchimento da primeira barragem, a ilha e o templo ficaram parcialmente submersos, mas com a construção da segunda, desapareceriam totalmente. Então , uma campanha da UNESCO ganhou força e vários monumentos foram transferidos de lugar, incluídos os da  Ilha Filae. O templo foi removido para  60 metros acima, na Ilha Agilika. A sua recolocação num ponto mais alto e seguro, foi feita com cuidados , mas deixou marcas. O piso encontra-se forrado de tábuas  para evitar que se deteriore.


Em alguns pontos está visível o cimento usado para a religação das várias  partes.
Pela sua situação, tão próximo da água é um lugar aprazível e sobretudo belo. Só  o azul do céu seria suficiente para iluminar o  cenário e dar o colorido que  o destaca. Os barcos despejam os visitantes junto ao prédio mais antigo do complexo, o pavilhão de Nectanebo I, datado do século quarto antes de Cristo. Esse é ligado ao templo principal por um pátio sustentado por grossas e majestosas colunas.


O faraó homenageado foi o mesmo que iniciou as obras.  O complexo compreende templos dedicados principalmente a Isis e a Hathor. Reza a lenda ou os mitos e crenças do antigo Egito,  que Seth (com forma de crocodilo, é um dos deuses do mal) matou seu irmão Osiris, esposo de Isis, esquartejou-o e espalhou seus restos ao longo do Nilo. Isis saiu reunindo as partes do corpo  do marido, tendo finalmente encontrado seu coração na Ilha Philae. Já Hathor, teria sido enviada por Amon, seu pai, para em forma de leoa, destruir tudo o que visse pela frente. Ela cumpriu tais ordens, e finalmente exausta e com sentimento do dever cumprido chegou em Filae e ali adormeceu.  Assim, os templos da pequena ilha, foram dedicados a essas duas entidades, que pelo visto os protegiam bem, porque eles permaneceram abertos e intocados  durante a  conquista romana e até os primórdios do cristianismo.
Naquela não houve censura aos seguidores da religião egípcia. O  próprio  Imperador Trajano agregou um quiosque às constuções do complexo, quiosque esse que lembra o pequeno templo de Erectéion, junto ao Pártenon em Athenas. Já no cristianismo com a alegação de que havia uma relação entre as figuras de Isis e da Virgem Maria o templo foi dos poucos que se manteve aberto. No entanto, no século V da era cristã, devido a o acirramento da intolerância religiosa  esses se transformaram em igrejas e muitas das figuras de faraós e deuses da antiga cultura foram desfigurados.
As construções  ali existentes e tão preservadas para deleite dos visitantes são o quiosque de Nectanebo I, que já comentamos, e  o templo de Arenshuphis. Na sequência,  carreiras de  belas colunas,  orientais e ocidentais fazem a ligação aos pórticos , chamados pilonos. 

as capelas e aos templos de Isis, Horus e Hathor. Há ainda o Nilômetro, o quiosque de Trajano e o Portal de Diocleciano.
Ressalte-se que o ponto mais repousante do passeio é o local onde está esse último  pavilhão, pois fica a  beira da água e possui belas plantas.
  

Retornando do agradável passeio, fomos até as pedreiras onde eram retirados os granitos para as esculturas e os belos e eternos monumentos faraônicos. No canteiro ainda existe um grande obelisco, que pesa cerca de uma tonelada e mede 41 metros. Seria dos maiores entalhados no Egito, no entanto uma grande fissura aconteceu durante a escultura, o que impediu a seu deslocamento. Ele se encontra lá  como testemunho de uma época gloriosa...através dos séculos. Que coisa impressionante!

Ao anoitecer nos depedimos de Saladino. Ele voltou a Lúxor para acompanhar sua mulher, na semana do parto de mais uma filha. Eu sempre ficava pensando como seria o convívio conjugal numa casa islâmica. Saladino sempre andava impecável, as suas roupas ocidentais (camisa e calça de trabalho) eram muito limpas e bem  passadas. O que revela uma mulher carinhosa e zelosa. Uma dona de casa. Da parte dele antevia-se um chefe de família, presente, atencioso com a esposa e filhos. Trocamos mostras de fotos, eu dos meus filhos, noras e netos e ele das crianças dele. Quando se dirigia a sua familia o fazia com  muita ternura. Então me parecia que era possível deixar de lado as crenças e ideologias para,  despido destas armaduras, deixar aflorar o ser humano, em busca do objetivo comum, a felicidade. Uma boa descoberta! Mas esta visão da casa islâmica me levou aos meus  tempos de criança, com a mãe dona de casa , o pai provedor, uma grande família com avós e tios por perto.
Eu acho que sou muito emotiva pois sempre ficava nostálgica a cada despedida.. Deu uma pontada de tristeza a separação, após dias de convívio tão fraterno. Lembrem-se que Toninho adoeceu e tivemos toda a sua solidariedade, assim como do motorista Ahmed (um grandalhão, loiro).
Na manhã seguinte , logo após o café, já ancorados em Assuan, fomos chamados pelo novo guia, o jovem e politizado Amro de 28 anos). Chamou-nos pelo interfone para uma reunião na sala principal.  Sentou-se diante de nós, apresentou-se com um discurso solene, deu muitas instruções e orientações. Depois nos liberou, como se fossemos escolares. Acho que isto tudo foi para impor respeito em razão da pouca idade. Mas ficamos meio zonzos e eu contive o riso, pelo modo impositivo e  engraçado como ele colocou as coisas.
Na hora aprazada descemos da nossa cabine e caminhando pela Corniche, fomos em busca da nossa faluca.


O sol estava escaldante como sempre. Enfrentar o calor diretamente debaixo daquele sol seria uma maratona penosa. Mas logo após o embarque o calor cedeu lugar a uma brisa  fresca e reconfortante.  As falucas, embarcações utilizadas desde o tempo dos faraós, hoje estão mais modernizadas. A que nos transportava era ajudada no impulso inicial, por um motor de popa. O barco era largo, os bancos forrados de tapetes coloridos.


 Depois de desligar o motor  e içar velas o barco passou a deslizar suavemente pelas águas calmas   da represa. Estávamos acompanhados do novo guia e pelo barqueiro ( faluqueiro?).  Poucos minutos de navegação já vislumbrávamos no lado oeste  do Nilo a elevação onde estão os túmulos dos nobres.

Aportamos na Ilha Kitchner (nome dado em homenagem ao seu proprietário e fundador Lord Horatio Kitchner, Cônsul Britânico no Egito). Recebu a Ilha de presente pelas suas incursões militares no Sudão. Ele era fanático por jardinagem e importou árvores  e palmeiras de todas as partes do mundo, inclusive do Brasil. Vimos ali o  pau-brasil. Mas o que dava um vivo colorido era a vista de nossas inigualáveis primaveras,


(Bougaimvilea) que exportamos para aquele lado do Mundo, inclusive para a Grécia e todo o Mediterrâneo. Amro nos deixou livres para usufruimos do jardim das maravilhas (lembrei do Aladin, o da lâmpada).


  Cruzamos devagar seguindo pelos passeios. Aqui e acolá esbarrávamos com grupos de escolares em aula,  ao ar livre,  e estudando as folhas e plantas. Onde tem crianças e adolescentes sempre tem o burburinho e a expansividade natural da idade. Toninho fez a festa, como agrônomo e grande conhecedor de árvores ia me explicando:..aquela palmeira é da Indonésia...., aquela outra típica da Nova Zelândia... veja ali o Sicômoro (árvore já usada em túmulos e muitos outros objetos,  pelos faraós e que permanecem até hoje. A exemplo , a barca sagrada de cinco mil anos,  construída desta madeira e que se encontra exposta ao lado da pirâmide de Quéfren).


 Do outro lado nos aguardava o guia,  que  falou sobre o túmulo de Agha Khan III,líder espiritual dos Ismaelita. Milionário ficou conhecido pela vida de luxo e ostentação no Ocidente e pela participação nas festas e  colunas sociais nas décadas de 40-50 , do século passado. A mulher,  chamada de Begun Agha Khan mandou erguer o mausoléu e me parece que seus restos também se encontram ao lado do marido. Eles possuiam casa de veraneio na ilha onde foi enterrado e vinham anualmente da Europa, onde moravam a maior parte do tempo, para usufruir da tranquilidade e beleza daquele canto do Egito.

Prossigamos , pois aquele iluminado dia ainda nos reservaria  muitas emoções. Iluminado, como quase todos os dias naquele exótico e encantador pedaço do norte da África.
A Van nos levou por caminhos tortuosos até uma localidade de casas baixas e coloridas, beirando a represa. Paramos primeiro junto a um grupo de  camelos e seus guardadores. Depois de rápida negociação Amro nos mandou subir no bichão e deu uma série de instruções, não muito bem assimiladas. Isto porque na hora que a enorme criatura botou-se de pé quase voamos de cima de sua garupa. É que o animal ajoelha e, depois, para se erguer dá um impulso para trás. Quem não está se segurando bem pode ter uma desagradável surpresa. Depois de nos reequilibrarmos (sim, porque decidimos usar um camelo só no passeio), rumamos para o povoado Núbio. Aquilo é que poder-se-ia chamar de "pagar mico".


A gente corcoveando encima do animal e passando por sobre as janelas das casas, das lojas e dos armazéns. Só dava "nós". Juro que estava envergonhada, me sentindo ridícula. As pessoas saiam para ver aqueles dois turistas,  sabe Deus vindos daonde, para quebrar a monotonia do lugar.
Finalmente paramos diante de uma casa azul clara  e fomos recebidos na porta por uma bela mulher núbia, sorridente (sorriso no. 1, para turistas, segundo o guia), que nos levou para o interior da morada. A sala era bem grande, mobiliada com poltronas de vime forradas de uma tapeçaria artesanal e com almofadas jogadas sobre elas.


 Fomos apresentados ao marido, creio eu,  e a seguir  para as crianças. Essas eram tímidas mas o menino veio no meu colo. Isto por sugestão do guia, pois em razão das diferenças culturais eu,  em países estrangeiros,  nunca tomo iniciativas deste gênero.
Na casa, apresentada como a típica morada dos núbios, também se vendia artesanato, principalmente bijuterias e colares. A mulher colocou um no meu pescoço,  como presente. Depois sentamos para o chá e para o primeiro contato com nossos amigos CROCODILOS. Os poços que víamos na sala  eram , nada mais, nada menos que criatórios dos répteis. O dono da casa retirou um do fosso, amarrou a sua boca e veio com ele na minha direção. Eu entendi que era para fazer um carinho e atendi, só para não fazer desfeita.



Mas  na verdade eles esperavam que eu pegasse no colo aquele adorável bichinho!!!!. Foi uma novela e acabei cedendo muitos treinos e  muitos gritos depois. Eu estava literalmente aterrada.
Todas as casas núbias têm crocodilos como bichos de estimação, pois acredita-se que eles afastam o mau-olhado. O do fosso principal, naquela fresca sala, era enorme. Havia uma grade de ferro na boca do poço para evitar possíveis acidentes.Mas eu fiquei, nas minhas ilações fazendo ligação entre um certo deus de nome Sett e aqueles animais de estimação.......


Saindo da casa fomos caminhando a pé  em direção ao mercado. No entanto desviamos um pouco para visitar uma Madrassa ( escola islâmica). Lá fomos recebidos  pelo Mestre, vestido numa impecável e engomada galabiah branca. Sentamos numa das carteiras escolares onde tivemos lições  de árabe e Núbio. Tivemos que escrever nossos nomes e outras palavras ensinadas pacientemente e eu acho que me saí muito bem, pois não fui penalizada com a palmatória. Já o Toninho teve que expor suas máos...
No mercado Amro nos apresentou aos amigos Mohamed e  Muhamed. Adorei o layout do seu armazém de especiarias, mas tudo era muito caro e eu não pretendia trazer temperos de tão longe, não fazia sentido. Mas finalmente Toninho foi convencido a comprar açafrão vermelho e chás. O açafrão custa caro lá também, mesmo depois de regatear uma meia hora para cumprir o ritual.


Dali partimos para o centro de Assuan para visitar a catedral Copta.
A Catedral é nova, tem o mesmo estilo das igrejas católicas, mas com ícones (figuras pintadas, nunca estátuas). Os coptas são próximos dos ortodoxos, imagens tri-dimensionais são consideradas heréticas.
Interessante que no átrio da Catedral, no mesmo edifício, mas antes da entrada, existem oficinas de artesãos, tanto de arte sacra como profana.



 Voltamos para o barco.
Naquela mesma noite tínhamos  um show de dança do ventre, agendado.  Quando chegamos ao nosso hotel flutuante, encontramos um homem vestido de dervixe. No traje o que se sobressaía era o saiote “godê”, bem  armado. O rosto do homem estava  pesadamente pintado, parecendo uma drag queen.  Haviamos programado assistir a uma dessas estonteantes dança dos dervixes, como ritual religioso, no Cairo. Mas não sei porque cargas d´água os guias da Capital nos desestimularam.  Disseram que haviam trocado o dia da apresentação. Não ficou muito claro , mas perdemos o show no Cairo.No entanto,  como o que tem que ser, será... não saímos do Egito sem ver o show, e nessa noite  fomos agraciados com uma bela apresentação individual. Durou de 30 a 40 minutos,o dançarino girava frenéticamente para um lado só. Eu comecei a ficar zonza, de vez em quando dava uma giradinha no pescoço para ver se estava no lugar. Eles, porém,  tem técnicas para controlar a tontura e evitar se estatelar no chão. Notei que  o dançarino dava umas  freiadas com a cabeça, e o fazia de um jeito quase imperceptível. 
Depois do Dervixe, a mulher que o acompanhava começou a dança do ventre. Era uma bela mulher, alta, clara também, traços árabes fortes. Aparentava estar de biquini, mas na verdade vestia uma roupa inteiriça cor da pele por debaixo do mesmo, atendendo aos costumes mais conservadores. Era roliça e sua barriga não era propriamente de tanquinho, ao contrário,  era arredondada. No início estranhei, mas depois fui achando bonito, conforme  o desenvolvimento da performance. Ela entusiasmava a platéia e se dirigia às cerca de  15 pessoas que a assistiam para que batessem palmas e acompanhassem o ritmo...O dia  fechou com chave de ouro e pôs um ponto final no nosso passeio pelo Rio Nilo e seu mítico Vale. Acabou...

Acordamos cedo e fomos para o  aeroporto rumo ao Cairo, para um dia a mais na Capital Egípcia, antes dos nossos próximos destinos: Jordânia e Israel. Sobre estes  passeios já falei neste blog por pura impaciência de esperar a ordem dos nossos deslocamentos. Ainda falarei sobre o Egito e mais um dia no Cairo, talvez na última postagem sobre a viagem ao Oriente Médio. Até lá...


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...