segunda-feira, 17 de outubro de 2011

CRUZEIRO NO NILO - OUTROS TEMPLOS E CIDADES AO LONGO DO RIO

Logo após o café da manhã, saímos para uma visita ao templo de EDFU. A cidade foi das mais marcadamente árabes que eu vi nesta viagem. Os homens usavam as tradicionais galabias (espécie de camisolão) e as mulheres os saris e véus, muitas usavam burca. Não vi pessoas vestidas à moda ocidental. Tomamos uma charrete puxada a cavalo e fomos visitar o templo que ficava a cerca de 20 minutos do pier.

Fomos orientados a não falar com o condutor. Parece que os charreteiros são hostís aos turistas. Não havia nada a dizer a ele exceto que parasse de usar aquele maldito chicote contra o animal cansado e suado, fazendo o duro serviço de transportar três pessoas sob o sol escaldante .


O animal voava pelas ruas empoeiradas de Tell Edfu (nome atual da cidade). Juntando o sacolejar da carruagem (tava mais para abóbora), com a poeira e o calor, eu não diria tratar-se de uma condução  confortável. Apenas exótica. Era um tal de cruzar com outras charretes pelas ruas cheias de transeuntes e sempre todas a toda velocidade. Lembrou da minha infância em Blumenau, pois a cidade tinha charretes de aluguel, chamadas de carro de mola. Bem...voltando ao Egito...
Finalmente chegamos aos arredores do templo. O monumento, também chamado de templo de Horus é enorme e dos mais bem conservados do País. Horus é o deus-Falcão.



Edificado com  pedra arenosa (arenito) é também repleto de inscrições, altos e baixos relevos. O templo como se apresenta atualmente é identificado como tendo sido erigido no período Ptolomaico, 237 A.C.,   mas há vestígios de que tenha sido construído sobre outros ali existentes anteriormente. Parte desse complexo encontra-se sob as casas próximas dos moradores.



Tentando descrevê-lo comecemos pela entrada monumental. Trata-se de um pórtico gigantesco, de linhas limpas, apontando para o infinito azul. Na verdade esse portal é constituído de duas torres, os chamados pilonos. Na foto acima, ao fundo, vê-se as imagens do deus Horus diante de cada um dos pilonos. Eles se tornam pequenos diante da majestade da construção que guardam. Compare agora com a outra foto anterior para imaginar as suas  reais dimensões. Segundo pesquisas efetuadas os pilonos medem 37m de altura.
Entalhados na fachada encontram-se as figuras de Horus, Hathor, Isis e Osiris, bem como a do faraó (Rei) Ptolomeu VIII  fazendo oferendas a esses deuses. 
Após o vestíbulo há um pátio com 32 colunas, todas encimadas por capitéis esculpidos com as plantas típicas do país, principalmente  flor de lotus e papirus.


Na sequência  passa-se pela sala da biblioteca, onde eram guardados os documentos do templo. Depois outros cômodos que dizem, teriam sido usados para armazenar utensílios e objetos para oferendas. No hipostilo,  o que se sobressai negativamente é o teto enegrecido pela fuligem de velas e lamparinas. Tais manchas foram deixadas pelos cristãos no período em que ocuparam o local e  estabeleceram ali sua igreja.



Prosseguindo-se na exploração chega-se a a uma sala, isolada por uma corda, onde só é permitido apreciar o seu interior através da porta. Logo se sobressai a barca sagrada, mas logo atrás há um sacrário dedicado a Horus e muitas inscrições nas paredes laterais (tudo como se vê na foto abaixo).


Há muito o que se  ver no templo principal e nas construções próximas. Por exemplo, do lado esquerdo há um templo menor, chamado Mammisi,  dedicado ao deus Horus. Nas suas paredes encontra-se representado o nascimento do deus, a fase de sua amamentação  e episódios da sua infância. Edificado no período greco-romano compõe-se do vestíbulo, um santuário e salas adjacentes.



Outra das obras que remanescem e que são interessantes de se visitar é o Nilômetro, que é  um túnel com acesso ao Rio , através de escadas.
Servia principalmente para as medições do volume das  águas, o que era de fundamental importância para as populações. Como se sabe, antes da construção das grandes represas  e por todo o sempre as cheias do Nilo traziam fertilidade natural ao solo e permitiam o cultivo e a sobrevivência daquela maravilhosa civilização.

Hoje as represas regulam as cheias e os ribeirinhos cultivam usando adubos e fertilizantes artificiais. Imagino que sem nenhum planejamento e cuidado.What a pity!

KOM OMBO

Saímos de Edfu no meio a tarde e singramos as águas tranquilas do Nilo até Kom Ombo. O templo fica ás margens do Rio e a sua proximidade impacta.

Foi o tempo do navio lançar âncoras e nós sairmos a pé para visitá-lo, sob a luz do poente. Passa-se por um cais do porto bem cuidado, com restaurantes e lojas de souvenirs. Sobe-se uma escadaria e tem-se a frente o belo templo dedicado a Horus, o deus falcão e a Sobek, o deus crocodilo.

 É o único templo no país dedicado a dois deuses simultaneamente e ajustados com simetria (um lado para cada um). Para justificar este compartilhamento conta-se que o deus Amon teria sido salvo pelo deus crocodilo, numa batalha ali nas próximidades, no rio Nilo. Que por gratidão Amon teria mandado erigir o templo em sua homenagem, mas tendo em vista que Sobek era guerreiro e não teria aquela popularidade entre a população, colocou-se  para compartilhar as oferendas e atrair o povo o Deus Horus, amado e cultuado pelos habitantes do lugar.
A construção do belo templo começou no reinado de Ptolomeu IV (período greco-romano) e contava além do prédio principal e de outras obras, com um fosso em que se criava um crocodilo, além de

um nilômetro (túnel com acesso ao rio para medir o nível das suas águas).
Mesmo tendo sofrido com as enchentes no passado e sendo objeto de depredação para que o material servisse a outras obras, este templo acabou abandonado e ficou coberto de areia por muitos anos o que justifica o seu atual bom estado de conservação.


Os relevos  deste templo são instigantes porque nos expõem os usos e costumes da época. Na foto abaixo voces podem ver o detalhamento de um parto de cócoras. As inscrições nos mostram também os instrumentos cirúrgicos semelhantes aos usados nos dias atuais. Os egípcios, podemos relembrar, foram os primeiros a fazer as trepanações ou cirurgias de cérebro, portanto eram avançados na ciência  da medicina.


A noite caiu e trouxe com ela mais beleza e plasticidade aquele cenário encantado.

Acima o deus Ra (o disco solar) pondo-se na margem ocidental, ou dos mortos.
O templo iluminado com lâmpadas amareladas dava mais vida  e realce aos tons-terra da contrução.




Estava na hora dos preparativos para o jantar típico oferecido na cobertura do nosso hotel flutuante.
Devidamente paramentados para a ocasião subimos  ao convés. O jantar foi alegre porque os egípcios são alegres e a comida era saborosíssima: homus, que eu amo e tantas outras iguarias. Mas o melhor era a sobremesa...meu Deus o que era aquilo! Fiz questão de tirar uma foto com o chefe pâtissier, que se tornou meu amigo e sempre me informava sobre novos sabores, principalmente  os doces de côco, meus preferidos..hummmm.

Minhas homenagens e admiração a ele com aqueles doces de pistache, nozes, chocolates belgas...and so on. Perdição total. Ai a balança!
Com tão boas sensações fomos dormir e sonhar com as maravilhas que o dia seguinte proporcionaria. E proporcionou. Vamos então nos encontrar em Assuan.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

NO VALE DOS REIS E DAS RAINHAS

 (réplica da mumia de Tutankamon, da ilha dos Faraós no centro do Cairo)
A maldição de Tutankamon caiu sobre nós mesmo antes de visitarmos sua tumba ( patrimônio da humanidade pela Unesco). Na noite anterior à visita tão esperada aos túmulos reais Toninho ficou com uma  febre preocupante e passou mal toda a noite. Nem raiara o dia e eu já havia me socorrido com  a recepção do barco para pedir um médico. Nós estávamos ligados sempre na BBC, nossa conexão com o mundo ocidental, e as notícias da bactéria na Alemanha matando gente me deixou de cabelos em pé. O médico egípcio veio logo e trouxe a medicação com ele. Foi muito gentil, atencioso e sobretudo resolveu o problema. No entanto, Toninho ficou de cama e com pesado remédio para dormir. A consulta foi cobrada em Euros , mas absurdamente barata, pois incluía antibióticos, antiespasmódicos  e o poderoso sonífero.. ( cerca de 65 Euros).
 O guia, tendo conhecimento  dos dissabores por que passávamos subiu até a cabine para ver como estava indo o paciente e dizer que estava ao meu dispor para a visita ao West bank. Eu estava indecisa, preocupada, não tinha vontade de me afastar dali, mas fui convencida. O doentinho iria dormir toda a manhã e o pessoal do navio daria o apoio necessário, caso precisasse. Iria ficar bem cuidado. Então eu fui sozinha, com o guia e o motorista: os gentis Saladino e Ahmed.
Assim sacolejando na Van saímos rumo ao deserto escaldante. Depois de cumprirmos as revistas de praxe entramos no  grande cemitério de reis e nobres.


Os espaços são amplos, muitos túmulos estão fechados à visitação. Visitei  apenas dois e fui aconselhada a não ver o de Tutankamon porque nele só se encontrava  a mumia do faraó, quase sem adornos. O tesouro  que o acompanhou em seu túmulo ( e que por sorte não foi saqueado), encontra-se no Museu do Cairo, e já o havíamos visto. Aliás, só a máscara mortuária pesa 140 kg de puro ouro, uma maravilha.
 (réplica na Ilha dos Faraós no centro do Cairo)

Então penetramos no recinto, contornando a montanha, rumo ao tumulo de Ramsés IX , faraó que governou de 1129 a 1108 AC e  cujas realizações são vistas apenas,  em Karnak. O túmulo tem corredores longos que se abrem no seu final numa sala oval onde ainda se encontra o sarcófago. O trajeto é feito em descida e vai se aprofundando para o coração da montanha. As paredes são vivamente pintadas e trabalhadas, representando o faraó, em oração ao Deus Sol ( Ra) , rituais funerários , soldados, escaravelhos, batalhas, cortejos e outras cenas  da vida e da morte ,  muitas reproduções das figuras dos deuses e faraós, principalmente o morto, como se fossem feitas há poucos anos e nunca do alto dos seus dois milênios.
O tumulo de Ramsés IV continha também uma câmara  para o último descanso do corpo do  seu filho criança (falecido aos  cerca de nove anos). As paredes e nichos são cheias de  inscrições, altos e baixos relevos,  desenhos, hieróglifos. Aquilo mexeu muito comigo porque eu ficava imaginando os que desenharam aqueles símbolos ali, o que pensavam, como viveriam, seriam escravos ou artistas, ou simples artesãos cujo ofício seria entalhar as tumbas para receber os ilustres mortos. Que técnica empregada na fixação daqueles pigmentos perenizava aquelas cenas ...para que eu e todos os outros visitantes pudessemos chegar dois mil anos depois e apreciar aquilo, interpretar o modo de vida deles e suas crenças?..Inevitável a comparação com a nossa cultura nacional de ignorar a própria memória, inclusive para acontecimentos mais recentes.
Vejam que eu quase não tenho fotos deste local...estava também preocupada com o meu personal patient.
Dali tomamos a condução para o outro lado da montanha onde estava encravado solitária e espetacularmente o templo da Faraona HATSHEPSUT. Passamos pelos túmulos mais recentes, bemm simples como se vê da foto abaixo.


 O  carro ficou no estacionamento, mais distante, e em seguida tomamos um coletivo ( ônibus elétrico, similar aos trenzinhos do estacionamento da Disney) que tranportava aos portais do enorme e belo templo. A visão era surreal, lembrava um enorme espaço teatral , com o palco ao fundo e seu irreparável cenário.

Hatshetsup foi a única  faraona do Egito. Ela precisou usar de ardis para subir ao trono pela sua condição  de mulher. Toda esta saga está cravada nas paredes do templo. Você deve estar curioso para saber como ela conseguiu a façanha. Pois bem, satisfaço esta curiosidade: ela , com o apoio de sacerdotes, tratou de convencer o seu povo de que era mais do que humana pois sua mãe teria sido emprenhada pelo deus Amon-Ra. Como deusa ela convenceu seu povo de que poderia chegar ao posto máximo  pela vontade de seu pai deus. Assim superou as pretensões de seu sobrinho Tutmés, que só veio a assumir o poder após 22 anos de reinado da tia e assumiu a dignidade do cargo com  o nome de Tutmés III. 


Este monumento portentoso começou a ser erigido durante o reinado da própria faraona ( oitavo ano). A sua grandiosidade deixa transparecer a necessidade que ela tinha de se sobressair aos faraós seus antecessores pelo fato de ser mulher. No entanto essa conquista nunca foi usada a favor do gênero porque ela agia como homem. A apresentação de sua figura é mais masculina que feminina. O peito era largo e musculoso, assim como os braços. Usava aquela tradicional barbicha em forma de trança. As roupas não eram femininas também e como os homens usava o dorso seminu.
Voltando ao templo, ele foi construído em três patamares, e era destinado ao cerimonial da morte ( embalsamamento do corpo e mumificação) . Consta de várias capelas dedicadas aos deuses Amon, Anúbis, Ra-Hor-Akhti e Hathor.
No último piso ( os três construidos são acessados por rampas), encontra-se a ligação com o Vale dos Reis onde ficava , propriamente, o seu túmulo.  
Com a sua morte por infecção nas gengivas* aos 37 anos,  o parente sucessor tratou de dismistificar a sua figura e danificar, o máximo que pode, seus bustos e borrar sua imagem dos afrescos e pintura em que aparecia. Fez subsituir em muitas delas a figura da tia pela sua.Em outras nem se deu a esse trabalho, simplesmente desfigurou o rosto com cinzel ou outro objeto pontiagudo. 
Como eu não tenho compromisso com roteiros ( aliás no local você terá acesso aos mapas e os guias contarão todas as histórias e destacarão todos os deuses,  capelas e imagens  pela ordem certa desde a entrada), pretendo falar apenas dos pontos que mais me atrairam Assim,o conjunto de colunas da Capela de Anubis, em número de 16 e que  seguram o teto de um azul vibrante, cravejado de estrelas amarelas,  me impressionou e é digno de nota pela  conservação do colorido.

 Também a destacar os impressos nas paredes, como a figura da mãe engravidada pelo  deus, o transporte de dois  obeliscos, desde Karnak, a construção das barcas solares. Interessante ainda os detalhes da  expedição comercial dos egípcios a Punt, nas vizinhas terras do país , hoje conhecido como  Sudão. Registrou-se dessa viagem  a troca de mercadoria,  incenso, marfim e outras riquezas abundantes no local por jóias e armas oferecidas pelo visitante. A rainha anfitriã é retratada como uma pessoa obesa. São detalhes que tornam as informações sempre muito interessantes.
Nas paredes do templo as figuras reais ali estampadas, quer seja Hatshepsut ou Tutmés , estão sempre  acompanhadas dos deuses que lhes davam proteção, como a Deusa Hathor ( com orelhas de vaca), Horus, o deus falcão e outros.
A visita turística pode demorar cerca de 2 horas, se você se ater apenas a alguns detalhes , mas poderia levar dias para decifrá-los todos, se fosse ali com visão de historiador. Bem, não era o meu caso, não consigo parar horas a fio e ver todos os pormenores de cada desenho e de cada  cartucho e assim me ative  às coisas mais chamativas e as  destacadas pelo guia.

De todo modo eu estava no meu limite de tempo pois necessitava voltar ao barco. Pelo caminho ainda passamos pelos Colossos de Memnon, que são duas estátuas de 18 metros, situadas na necrópole do antiga cidade de Tebas e representam o faraó Amen Hotep III ou Amenófis III ( XVIII Dinastia). O templo que guardava foi destruído pelas cheias do Nilo e por saques.

Estas estátuas ainda possuem no lado de cada perna as figuras da mãe e da esposa principal. Os colossos estão muito desgastados e mal conservados. Há tempos em decorrência de um terremoto sofreu uma fissura e passou a emitir sons ao amanhecer, o que  gerou superstições.Ao final foi constatado que os fenômenos atmosféricos eram responsáveis pelas manifestações das imagens ( frio da noite, calor da manhã, essas coisas) Com a sua restauração as estátuas pararam de gemer.
Ao retornar ao navio encontrei tudo calmo e o doente ainda dormia. Almocei e o barco foi seguindo o seu rumo Nilo acima - no sentido  coração da África. Aproveitamos a tarde no convés vendo a vida passar morna e preguiçosa ao longo do curso do Nilo.

Também  ficamos entretidos com a passagem pelas comportas, que trouxe várias figuras locais para perto do navio a gritar para que jogássemos comida ou dinheiro.Todos homens vestidos em suas galabias. 


A noite  houve o famoso coquetel do comandante no salão nobre do barco e a chegada a EDFU, matéria de nossa próxima postagem. Arriverderci.


* Pesquisa extraída da Wikipidia: "Tendo em conta que o nome de Hatchepsut foi suprimido das principais listas de reis do Antigo Egipto, desconheceu-se durante muito tempo a existência de Hatchepsut. Em meados do século XIX, quando a Egiptologia se estruturou como campo do saber, iniciou-se a redescoberta da rainha-faraó. Em 1922-1923 o egiptólogo Herbert Winlock, que realizava escavações em Deir el-Bahari na área pertencente ao rei Mentuhotep II, encontraria uma série de estátuas de Hatchepsut. Uma parte destas estátuas estão hoje no Museu Egípcio do Cairo e no Metropolitan Museum of Art. Recentemente a múmia de Hatchepsut foi localizada através de uma pesquisa que contava com testes de DNA, tomografia computadorizada, entre outras 2 múmias, e um grande mistério que envolvia sua morte. Através de um dente molar, encontrado em uma caixa mortuária de madeira e com seu nome entalhado, que também continha seu fígado mumificado, foi possível afirmar que uma das múmias em questão era a de Hatchepsut. Cientistas descobriram também que sua morte foi devido a uma infecção na gengiva"
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