sexta-feira, 7 de outubro de 2011

NO VALE DOS REIS E DAS RAINHAS

 (réplica da mumia de Tutankamon, da ilha dos Faraós no centro do Cairo)
A maldição de Tutankamon caiu sobre nós mesmo antes de visitarmos sua tumba ( patrimônio da humanidade pela Unesco). Na noite anterior à visita tão esperada aos túmulos reais Toninho ficou com uma  febre preocupante e passou mal toda a noite. Nem raiara o dia e eu já havia me socorrido com  a recepção do barco para pedir um médico. Nós estávamos ligados sempre na BBC, nossa conexão com o mundo ocidental, e as notícias da bactéria na Alemanha matando gente me deixou de cabelos em pé. O médico egípcio veio logo e trouxe a medicação com ele. Foi muito gentil, atencioso e sobretudo resolveu o problema. No entanto, Toninho ficou de cama e com pesado remédio para dormir. A consulta foi cobrada em Euros , mas absurdamente barata, pois incluía antibióticos, antiespasmódicos  e o poderoso sonífero.. ( cerca de 65 Euros).
 O guia, tendo conhecimento  dos dissabores por que passávamos subiu até a cabine para ver como estava indo o paciente e dizer que estava ao meu dispor para a visita ao West bank. Eu estava indecisa, preocupada, não tinha vontade de me afastar dali, mas fui convencida. O doentinho iria dormir toda a manhã e o pessoal do navio daria o apoio necessário, caso precisasse. Iria ficar bem cuidado. Então eu fui sozinha, com o guia e o motorista: os gentis Saladino e Ahmed.
Assim sacolejando na Van saímos rumo ao deserto escaldante. Depois de cumprirmos as revistas de praxe entramos no  grande cemitério de reis e nobres.


Os espaços são amplos, muitos túmulos estão fechados à visitação. Visitei  apenas dois e fui aconselhada a não ver o de Tutankamon porque nele só se encontrava  a mumia do faraó, quase sem adornos. O tesouro  que o acompanhou em seu túmulo ( e que por sorte não foi saqueado), encontra-se no Museu do Cairo, e já o havíamos visto. Aliás, só a máscara mortuária pesa 140 kg de puro ouro, uma maravilha.
 (réplica na Ilha dos Faraós no centro do Cairo)

Então penetramos no recinto, contornando a montanha, rumo ao tumulo de Ramsés IX , faraó que governou de 1129 a 1108 AC e  cujas realizações são vistas apenas,  em Karnak. O túmulo tem corredores longos que se abrem no seu final numa sala oval onde ainda se encontra o sarcófago. O trajeto é feito em descida e vai se aprofundando para o coração da montanha. As paredes são vivamente pintadas e trabalhadas, representando o faraó, em oração ao Deus Sol ( Ra) , rituais funerários , soldados, escaravelhos, batalhas, cortejos e outras cenas  da vida e da morte ,  muitas reproduções das figuras dos deuses e faraós, principalmente o morto, como se fossem feitas há poucos anos e nunca do alto dos seus dois milênios.
O tumulo de Ramsés IV continha também uma câmara  para o último descanso do corpo do  seu filho criança (falecido aos  cerca de nove anos). As paredes e nichos são cheias de  inscrições, altos e baixos relevos,  desenhos, hieróglifos. Aquilo mexeu muito comigo porque eu ficava imaginando os que desenharam aqueles símbolos ali, o que pensavam, como viveriam, seriam escravos ou artistas, ou simples artesãos cujo ofício seria entalhar as tumbas para receber os ilustres mortos. Que técnica empregada na fixação daqueles pigmentos perenizava aquelas cenas ...para que eu e todos os outros visitantes pudessemos chegar dois mil anos depois e apreciar aquilo, interpretar o modo de vida deles e suas crenças?..Inevitável a comparação com a nossa cultura nacional de ignorar a própria memória, inclusive para acontecimentos mais recentes.
Vejam que eu quase não tenho fotos deste local...estava também preocupada com o meu personal patient.
Dali tomamos a condução para o outro lado da montanha onde estava encravado solitária e espetacularmente o templo da Faraona HATSHEPSUT. Passamos pelos túmulos mais recentes, bemm simples como se vê da foto abaixo.


 O  carro ficou no estacionamento, mais distante, e em seguida tomamos um coletivo ( ônibus elétrico, similar aos trenzinhos do estacionamento da Disney) que tranportava aos portais do enorme e belo templo. A visão era surreal, lembrava um enorme espaço teatral , com o palco ao fundo e seu irreparável cenário.

Hatshetsup foi a única  faraona do Egito. Ela precisou usar de ardis para subir ao trono pela sua condição  de mulher. Toda esta saga está cravada nas paredes do templo. Você deve estar curioso para saber como ela conseguiu a façanha. Pois bem, satisfaço esta curiosidade: ela , com o apoio de sacerdotes, tratou de convencer o seu povo de que era mais do que humana pois sua mãe teria sido emprenhada pelo deus Amon-Ra. Como deusa ela convenceu seu povo de que poderia chegar ao posto máximo  pela vontade de seu pai deus. Assim superou as pretensões de seu sobrinho Tutmés, que só veio a assumir o poder após 22 anos de reinado da tia e assumiu a dignidade do cargo com  o nome de Tutmés III. 


Este monumento portentoso começou a ser erigido durante o reinado da própria faraona ( oitavo ano). A sua grandiosidade deixa transparecer a necessidade que ela tinha de se sobressair aos faraós seus antecessores pelo fato de ser mulher. No entanto essa conquista nunca foi usada a favor do gênero porque ela agia como homem. A apresentação de sua figura é mais masculina que feminina. O peito era largo e musculoso, assim como os braços. Usava aquela tradicional barbicha em forma de trança. As roupas não eram femininas também e como os homens usava o dorso seminu.
Voltando ao templo, ele foi construído em três patamares, e era destinado ao cerimonial da morte ( embalsamamento do corpo e mumificação) . Consta de várias capelas dedicadas aos deuses Amon, Anúbis, Ra-Hor-Akhti e Hathor.
No último piso ( os três construidos são acessados por rampas), encontra-se a ligação com o Vale dos Reis onde ficava , propriamente, o seu túmulo.  
Com a sua morte por infecção nas gengivas* aos 37 anos,  o parente sucessor tratou de dismistificar a sua figura e danificar, o máximo que pode, seus bustos e borrar sua imagem dos afrescos e pintura em que aparecia. Fez subsituir em muitas delas a figura da tia pela sua.Em outras nem se deu a esse trabalho, simplesmente desfigurou o rosto com cinzel ou outro objeto pontiagudo. 
Como eu não tenho compromisso com roteiros ( aliás no local você terá acesso aos mapas e os guias contarão todas as histórias e destacarão todos os deuses,  capelas e imagens  pela ordem certa desde a entrada), pretendo falar apenas dos pontos que mais me atrairam Assim,o conjunto de colunas da Capela de Anubis, em número de 16 e que  seguram o teto de um azul vibrante, cravejado de estrelas amarelas,  me impressionou e é digno de nota pela  conservação do colorido.

 Também a destacar os impressos nas paredes, como a figura da mãe engravidada pelo  deus, o transporte de dois  obeliscos, desde Karnak, a construção das barcas solares. Interessante ainda os detalhes da  expedição comercial dos egípcios a Punt, nas vizinhas terras do país , hoje conhecido como  Sudão. Registrou-se dessa viagem  a troca de mercadoria,  incenso, marfim e outras riquezas abundantes no local por jóias e armas oferecidas pelo visitante. A rainha anfitriã é retratada como uma pessoa obesa. São detalhes que tornam as informações sempre muito interessantes.
Nas paredes do templo as figuras reais ali estampadas, quer seja Hatshepsut ou Tutmés , estão sempre  acompanhadas dos deuses que lhes davam proteção, como a Deusa Hathor ( com orelhas de vaca), Horus, o deus falcão e outros.
A visita turística pode demorar cerca de 2 horas, se você se ater apenas a alguns detalhes , mas poderia levar dias para decifrá-los todos, se fosse ali com visão de historiador. Bem, não era o meu caso, não consigo parar horas a fio e ver todos os pormenores de cada desenho e de cada  cartucho e assim me ative  às coisas mais chamativas e as  destacadas pelo guia.

De todo modo eu estava no meu limite de tempo pois necessitava voltar ao barco. Pelo caminho ainda passamos pelos Colossos de Memnon, que são duas estátuas de 18 metros, situadas na necrópole do antiga cidade de Tebas e representam o faraó Amen Hotep III ou Amenófis III ( XVIII Dinastia). O templo que guardava foi destruído pelas cheias do Nilo e por saques.

Estas estátuas ainda possuem no lado de cada perna as figuras da mãe e da esposa principal. Os colossos estão muito desgastados e mal conservados. Há tempos em decorrência de um terremoto sofreu uma fissura e passou a emitir sons ao amanhecer, o que  gerou superstições.Ao final foi constatado que os fenômenos atmosféricos eram responsáveis pelas manifestações das imagens ( frio da noite, calor da manhã, essas coisas) Com a sua restauração as estátuas pararam de gemer.
Ao retornar ao navio encontrei tudo calmo e o doente ainda dormia. Almocei e o barco foi seguindo o seu rumo Nilo acima - no sentido  coração da África. Aproveitamos a tarde no convés vendo a vida passar morna e preguiçosa ao longo do curso do Nilo.

Também  ficamos entretidos com a passagem pelas comportas, que trouxe várias figuras locais para perto do navio a gritar para que jogássemos comida ou dinheiro.Todos homens vestidos em suas galabias. 


A noite  houve o famoso coquetel do comandante no salão nobre do barco e a chegada a EDFU, matéria de nossa próxima postagem. Arriverderci.


* Pesquisa extraída da Wikipidia: "Tendo em conta que o nome de Hatchepsut foi suprimido das principais listas de reis do Antigo Egipto, desconheceu-se durante muito tempo a existência de Hatchepsut. Em meados do século XIX, quando a Egiptologia se estruturou como campo do saber, iniciou-se a redescoberta da rainha-faraó. Em 1922-1923 o egiptólogo Herbert Winlock, que realizava escavações em Deir el-Bahari na área pertencente ao rei Mentuhotep II, encontraria uma série de estátuas de Hatchepsut. Uma parte destas estátuas estão hoje no Museu Egípcio do Cairo e no Metropolitan Museum of Art. Recentemente a múmia de Hatchepsut foi localizada através de uma pesquisa que contava com testes de DNA, tomografia computadorizada, entre outras 2 múmias, e um grande mistério que envolvia sua morte. Através de um dente molar, encontrado em uma caixa mortuária de madeira e com seu nome entalhado, que também continha seu fígado mumificado, foi possível afirmar que uma das múmias em questão era a de Hatchepsut. Cientistas descobriram também que sua morte foi devido a uma infecção na gengiva"

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