quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

OLD YORK

O fim de semana não se mostrava promissor. O weather forecast dava previsões pessimistas sobre o tempo no norte da Inglaterra. Mas nós não tínhamos mais  muito tempo para escolha. Estávamos com passagem de trem sobrando e apenas mais três semanas no país. Pensávamos em conhecer ainda  uma simpática cidade inglesa, próxima à fronteira com a Escócia. Quanto mais ao norte por aqui, mais instável é o tempo e no inverno  as temperaturas são sempre muito mais baixas que no sul da Inglaterra. Parece que este ano ocorreram algumas alterações e o País de Gales e a Cornuália também ficaram imersos em neve e até sofreram com  enchentes.
Sexta feira, dia feliz, saímos de casa com as duas maletas (uma média e uma pequena) e fomos para a escola. Meio dia corremos para a Estação Kings Cross. Os planos eram de almoçarmos por lá e depois pegarmos o primeiro trem. Chegamos cedo, por volta de 12:30, lanchamos  numa das lanchonetes Subway, pois a Estação não tem restaurante. Partiria dali a pouco (1:20 pm) um trem para a Escócia, com parada em York -  a velha. Ótimo, chegaríamos cedo e poderíamos ainda fazer uns passeios pela cidade. O trem era da East Coast e a nossa passagem por ser flexível dava direito a qualquer trem (companhia) em qualquer horário. Só não tínhamos reserva, o que poderia dificultar algumas coisas, como achar lugares juntos, ou até mesmo sentar. Arriscaríamos.
O trem estava vazio, escolhemos os assentos. Quando partiu uma névoa escura cobria Londres, e uma garoa fina riscava a paisagem, confirmando as previsões meteorológicas. Paciência, poderíamos tirar o fim de semana para descansar no hotel. O famoso “lie in”. Bom.
À nossa frente viajava um senhorzinho de uns 90 anos. O alto falante anunciou a passagem do inspetor. Disponibilizamos as nossas passagens, o funcionário passou, muito gentil e sorridente, desejou boa viagem aos turistas de tão longe (nós) e continuou seu serviço. O velhinho nosso vizinho apresentou seu cartão, mas estava vencido. O inspetor explicou naquele tradicional inglês de muitos rapapés : “Sir, I´m afraid to tell you that you should be irregular... and so on..O velhinho não se alterou. Sorry, I’m awful sorry to tell you that I’ll give you a penalty. E o velhinho argumentava sem muita  vontade, que estava correto, ecc. O empregado insistia e começou a lavrar a multa , mas o velhinho com a fleugma britânica nem se a abalava. Um pouco alterado o inspetor pedia: Please Mr. sign here.
- No, I won´t, reiterava o velhinho, do alto de sua elegante capa verde musgo, de  forro xadrez e um belo cachecol sobre o tom.  Sorry Mr., but i’m quite sorry to advertise you that I’m calling the police…
Chiiii, falei para o Toninho, a coisa tá encrespando.
Fecham-se as cortinas, sai do cenário o inspetor. O velhinho continua impassível olhando o céu que já ia azulando, pela janela .
Abrem-se as cortinas, volta o inspetor, agora furibundo deixando de lado toda a elegância inglesa: Senhor eu sou uma autoridade e o senhor está me desrespeitando. Assine aqui agora! - Não!, foi a resposta. O inspetor começou a gritar feito um desvairado, mas não conseguiu demover o velhinho de sua intenção: nem assinar, nem pagar a multa.
Que stress, que falta de sossego, quando tudo parecia tão sereno tínhamos que ser testemunhas deste tremendo arranca-rabo inglês!
Mas parecia que tudo havia se acalmado, quando começamos a divisar a próxima cidade.
Fui ao banheiro e pela janelinha pude ver um movimento de policiais. Eu havia escutado também que o inspetor falava pelo rádio com alguém na estação, seguramente estava chamando a polícia.
O trem parou. Eu estava tensa, como será que eles tratariam o velhinho? Partiriam para agressão física? Cacetetes na mão?
Bem, a porta do vagão se abriu e entraram três sisudos policiais, com seus redondos e negros capacetes, uniformes impecáveis, sapatos lustrosos, algemas polidíssimas, quase um espelho. Se acercaram do velhinho: Good afternoon Mr. Could you folow us?. We must to talk to you...
Bem,  autoridade é autoridade e com um convite destes não há resistência possível. A conferência deu-se na intersecção de dois vagões. Tudo no mais puro estilo inglês de cordialidade e  civilidade. Contrariamente ao que eu pensava, os guardas procuraram apaziguar a situação, talvez por causa da idade do infrator. As vozes nunca se alteraram, mas o velhinho enfim foi convencido a assinar a multa de GBP 20, e pagar a passagem no valor de GBP 40. Ahahaha. Muito engraçado, para nós brasileiros. Agora posso soltar a gargalhada que ficou retida na minha garganta, com todo o inusitado da cena e da própria estória.
Chegamos a  York meia hora depois do fim dessa novela policial burlesca. O frio estava intenso, aqui sempre por volta de zero graus, variando a sua intensidade e a sensação térmica, com a presença ou não de vento.
Hospedamo-nos no Ibis, próximo a estação e as portas da cidade.Confiram:


 A primeira visão que tivemos foi da muralha, porque a estação fica do seu lado exterior, separado apenas por uma rua.

Feito o check in saímos passeando. Precisávamos fazer uma oração e resolvemos ir direto na Catedral de York.


Ao entrarmos vimos um anuncio de que iria começar em quinze minutos um serviço religioso com o coral da igreja. Foi muito bonito e solene, o "choir" era muito profissional, eles levam muito a sério qualquer atividade, mesmo que seja um hobby.

Depois disto ainda passeamos pela cidade velha, céu aberto, lua linda e cheia, muito prateada, dava um ar fantasmagórico à cidade, se esgueirando por trás de velhas torres de pedra, árvores secas, velhos prédios medievais abandonados, cemitérios de lápides tortas,  também muito antigos. Arrepiante.

Fomos jantar no restaurante Gert e Henry, comida saborosíssima e cuidadosamente elaborada, clima suave. Localizada na Market Street:


a velha casa de  1600 é de fato muito charmosa, com lareira da época, em ferro, que servia também de fogão para os seus primitivos moradores. 

Tudo fascinante, tanta história, tantas vidas passadas. Tudo ali, presente. Relembranças.


Fomos dormir, bom aquecimento. Acordamos por volta de 9:00 horas. Tomamos um bom café da manhã e pé na estrada. Caminhamos por sobre as muralhas, apreciando as casas de dentro e de fora.



Descemos no centro da cidade. Entramos  casualmente no parque onde está localizado o museu arqueológico de Yorkshire.

A região é muito rica neste aspecto porque por ela passaram celtas, romanos, saxões e vikings, além dos normandos. Há muitos vestígios destas civilizações: moedas, jóias, vasilhames domésticos, túmulos com inscrições. Das escavações foram retiradas  paredes, pisos de mosaico, utensílios domésticos. Voltamos à rua do  Mercado, que parecia de fato medieval, como se vê nos filmes.
Almoçamos frugalmente porque eu estava de olho na janta (depois conto). Caminhamos por todo o centro velho.

Seguimos para a Rua do Mercado, tão medieval que até parece cenário de filme. Compramos algumas lembrancinhas e panos de prato com receitas como a do  Yorkshire pudding.




A seguir fomos ao museu Viking JORVIK. Muito interessante. Entre áudio visuais e vestígios de escavaçôes se chega a uma sala com cadeiras tipo teleférico. Embarca-se e viaja-se no tempo, pela história dos vikings: suas casas, parte interior e exterior, quintais, criações, cachorros, mercados de peixe e de carne, barcos. Os cheiros são característicos da época e não chegam a ser agradáveis. Os bonecos são robotizados e se movem. Vale a pena ver, principalmente se estiver acompanhado de crianças e adolescentes. É como um parque temático.
Visitamos ainda a torre Clifords, cujo morro artificial foi feito pelos normandos em 1090.

Finalmente a tardinha, já escuro, fomos à tradicional Casa de Chá da Betty ( a janta de que falei acima) . É semelhante a Confeitaria Colombo, do Rio de Janeiro. Quem não se lembra da bela casa de chá em Copacabana, com piano (aliás quem tocava lá era um primo de minha mãe) e quitudes deliciosos?! 
A Casa da Betty  ( Bettys Cafe Tea Room) também tem um belo piano, música suave, baixelas de primeira qualidade, louça inglesa (nacional!) da mais requintada. O serviço é impecável, os salgadinhos servidos em bandejas de três estágios. Os docinhos muito bem decorados, sabores atraentes,  marzipan, marron glacê e outras iguarias. Não sobrou farelo. O chá veio servido  com leite, como quando eu era criança (e não gostava) mas resolvi arriscar. O gosto de infância prevaleceu sobre o paladar. Adorei. Foi o melhor chá completo que tomei no Reino Unido, o famoso 5 o’clock tea, que ninguém mais sabe o que é. Agora eles chamam de Afternoon tea. Que decepção!
Voltamos para o hotel, noite alta, jovens pelas ruas em grupos, roupas extravagantes, moças com sapatos altíssimos, mini-saias curtíssimas, vestidos leves próprios para  uma balada no Rio de Janeiro e não na velha York,  alguns graus abaixo de zero. Um frio de atormentar.
Domingo saímos novamente sem lenço e sem documento, rodeando as muralhas. O Rio  Ouse transbordou em alguns pontos.
A Municipalidade estava com bombas tirando o excesso das ruas vizinhas. Os moradores pouco se importavam com o pequeno incidente atmosférico e  corriam pela avenida que margeia o rio ou faziam remo, um esporte bem apreciado por aqui.
Chegamos por vias transversas ao centro, fomos visitar o  Museu do Castelo (York Castle Museum). O tema é relativo a casas vitorianas e a evolução até os anos 50 (1950). Bem ambientado,  ruas e armazéns, delegacias e escolas. Depois apareceram as primeiras máquinas domésticas, os “reclames”, as primeiras caixas de sabão em pó (rinso, etc..) Ainda mostraram um casamento, um funeral, nascimento nas mesmas épocas, tudo com documentos e fotos de habitantes da cidade. Também tem uma exposição de antigos brinquedos. Bastante interessante.

Almoçamos num restaurante italiano  o Piccolino,  do lado do rio, na 18, Bridge Street. É excelente a comida e o ambiente é refinado. Voltamos ao hotel, fizemos o check out e volta para Londres. Desta vez  sem " noise" , sem o velhinho do golpe. 
Ainda sobre York eu recomendaria por se tratar de cidade muito rica historicamente, por poder ser explorada em pouco tempo,por  ter uma arquitetura atraente e diversificada, comida excelente e povo muito afável. Apreciei.
Nos encontramos em STONEHENGE....sábado que vem.
 



Um comentário:

  1. Olá Graça. Achei seu blog fazendo pesquisas sobre Londres.
    Estou encantada com seu jeito de escrever.
    Moro no Nordeste e pretendo ir com meu esposo e filhos, 12 e 14 anos para Londres e Escócia no final deste ano.
    Gostaria muito que vc , se puder, me enviar dicas de roupas. Lembre que estamos no Nordeste e por aqui roupa de frio é quase impossível!
    Fique com Deus.
    Claudia Pester

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